João
Ferreira Leite Luz
(Reflexões)
Não tem como negar, o Brasil
experimenta um despertamento espiritual. Entretanto, o país pouco mudou com o
crescimento da igreja protestante-evangélica, já que junto com esse crescimento
também aumentou a miséria. Fala-se muito em avivamento e em crescimento
numérico, mas é uma pena, pois esse crescimento nada alterou as estatísticas da
violência, da fome, da corrupção. O sistema educacional ainda continua
decadente, o sistema de saúde ainda é precário. E a igreja? Preocupada em
canalizar a bênção do divino para seus problemas triviais.
Não me identifico mais com o
movimento evangélico vigente, entretanto, continuo cristão até as entranhas.
Sim, continuarei lutando por ideais, me darei a causas nobres, fugirei a todo
custo das zonas de conforto que são como falsas linhas de chegada para nos
enganar. Meu discurso religioso, por mais ignorado que seja, será sempre uma
arma apunhalando a mediocridade. Minha caminhada vai ser sempre na contramão do
espírito desta época.
Acredito que o preço que o
cordeiro de Deus pagou na cruz foi muito alto para que eu me associe a esse
evangelho gasoso pregado na maioria das igrejas da pós-modernidade.
Sim, ainda acredito na igreja,
não essa, a institucional, e sim, naquela formada por pessoas dispostas a serem
elas mesmas, seja dentro de um templo ou fora dele. Creio piamente que a
espiritualidade vai além dos portões das igrejas.
Não, não quero copiar a vida de
Jesus o que já é difícil e nobre. Quero sim, viver minha própria vida com a
grandeza que Ele viveu a dele, o que é infinitamente mais difícil e mais nobre.
Porque aprender os trejeitos de religioso e ficar “pagando” de bonzinho é
tarefa fácil, difícil é ser cristão no dia-a-dia. Aliás, é no dia-a-dia que se
vê a diferença que Cristo fez ou não na vida de alguém.
Penso que à medida que caminhamos
com Deus, deveríamos nos tornar pessoas diferentes, ou melhor, pessoas de um
caráter excelente. Pessoas de uma bondade sem igual; pessoas de uma doçura
singular, gente de outro calibre. Pessoas com uma nobreza digna de serem
chamadas de cristãs, ou seja, parecidas com Cristo.
A pergunta é: que tipo de pessoa
estamos nos tornando à medida que caminhamos com Deus? Ou ainda, que tipo de
ser humano estamos nos tornamos quando recebemos poder?
O que as infindáveis campanhas de
prosperidade, têm gerado no caráter das pessoas? Uma vez que, as pessoas são
julgadas perante Deus pelos conteúdos do caráter e não pelo que possuem.
A função mais básica da religião
é produzir pessoas com grandeza de caráter. Agora, se o cristianismo atual tem
gerado pessoas gananciosas e preocupadas apenas com coisas que não tem nada a
ver com os conteúdos de caráter, ele falha na essência de sua tarefa.
Alguma coisa deve ter saído
errado. Pois as pessoas estão lotando as igrejas, mas permanecem as mesmas, ou
pioram.
O que a igreja moderna tem a
oferecer?
“... Não tenho prata nem ouro,
mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno,
ande...”(Atos dos apóstolos 3.6)
O que a igreja moderna tem a
oferecer é uma pergunta necessária. Visto que ela oferece tudo, e nada ao mesmo
tempo.
Estamos oferecendo em termos
gerais: prosperidade, saúde e sucesso, ou de outro modo, estamos ofertando
apenas coisas, simplesmente coisas para pessoas que por natureza intrínseca
possuem sede do transcendental, ou seja, do imaterial.
O curioso é que a igreja já pode
dizer: Tenho prata e ouro (dinheiro), haja vista, elas serem donas de emissoras
de TV, os pastores já se assentam em cadeiras do senado. As igrejas modernas
são donas de verdadeiros impérios. Entretanto, já não pode mais dizer “isto que
tenho te dou”, porque não tem nada para oferecer além de benefícios temporais.
Jesus faz a meu ver algumas
afirmações atordoantes que soa estranho aos nossos ouvidos modernos, como
quando ele diz “meu reino não é deste mundo”, ou falando de outra maneira,
Jesus não tem nada a ver com esse reino de poder, com essa mesquinharia que
chamamos de igreja, aliás, construímos uma grande igreja luxuosa que vive
cultuando ao deus do capitalismo e ainda temos o despautério de chamar isso de
reino.
Os valores do reino que o Cristo
anunciava eram completamente outros, ou como diz a Escritura noutro lugar: “O
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz e alegria no Espírito
Santo”.
O curioso é que nós ocidentais de
mentalidade capitalista vivemos querendo acumular coisas e Jesus vivia dizendo
coisas esquisitas do tipo “... bem aventurados os pobres...”, ou “... não
acumuleis tesouros na terra...”, ou pior ainda “... vá, vende tudo quanto
possuí e dê aos pobres...”.
O estranho de tudo isso é que
tudo indica que no dicionário de Jesus pobreza (desapego do que material) e
felicidade sempre andou juntas. E parece que ele tinha razão.
Sei, contudo, que esse não é o
tipo de mensagem que gostamos de ouvir.
Já afirmou Millôr Fernandes: “e
se você estiver no caminho certo, mas na contramão”.
Vivemos num período que o
importante mesmo é fazer, independente de ser certo ou errado, desde que todas
façam – não há mal.
Poucos homens hoje na atualidade
têm calibre para manter seus posicionamentos com respeito aos valores íntegros
e não se vender à lógica do “todo mundo faz”.
São Brabo já no século III
afirmava que mais “importante era fazer a coisa certa” e foi marcado como
herege.
Existiu também um rabi de Nazaré,
certo pobre carpinteiro que atendia pelo nome de Jesus, filho de um outro
carpinteiro pobre por nome José. Esse Jesus também andou no contra fluxo da
história, na contramão da religião, um subversivo a frente do seu tempo. Final
da história - pagou um alto preço, e, mais, achou que valeu a pena. E, nós?
Então seguir Jesus é um bom
negócio? Valeu a pena? Foi a pergunta que o orador em determinada noite
insistiu em fazer. Ele
enfatizou a pergunta no sentido que, se pelo fato de reconhecermos Jesus como
Senhor havia valido a pena.
Inquietei-me e preciso responder.
Agora, respondo fazendo outra pergunta; o que é que se está querendo dizer
quando perguntamos se valeu a pena abraçar a causa do evangelho?
A resposta é sim e não. Explico,
se a pergunta for no sentido de que vale a pena abraçar a causa de Jesus e
pagar um alto preço por este elevado ideal. Sim, vale a pena. Ou dito de outro
modo, vale a pena não apenas possuir nobres ideais, mas sim, estar disposto a
sofrer por eles. Defendo os valores do Reino não porque acho que vou ser bem
sucedido, ou porque vou dar certo, mas, e acima de tudo porque vale a pena.
Agora, se a pergunta for no
sentido de que se valeu a pena, pelo que estou recebendo em troca por abraçar a
Cristo e sua causa. Não, não valeu a pena. Alguém já disse que “A grandeza de
uma causa não é determinada pelo que seus seguidores ganham ao segui-la, mas
pelo preço que estão dispostos a pagar por ela”.
Então reconhecer Jesus como
Senhor, e abraçar sua causa não vale a pena pelo que vamos receber, e sim, pelo
que vamos ofertar.
Não nos esqueçamos que Jesus
lembrou seus primeiros discípulos que, antes de se preocuparem em salvar a
vida, eles precisavam estar dispostos a perdê-la (Mc.8.35).
Sim, valeu a pena! Aliás, já afirmou
o grande poeta “Valeu a pena? Tudo vale a pena. Se a alma não é pequena”.
(Fernando Pessoa)
Jesus não é o fundador do
cristianismo, ou pelo menos desse cristianismo institucionalizado como se
conhece hoje. Jesus não é fundador de religião nenhuma.
Jesus se assim pode-se dizer,
inaugurou um estilo de vida, um modus
vivend - uma maneira de se viver, uma filosofia de vida.
Acredito ser ponto pacífico que o
Cristo quando passou por esta vida nos deu muitos ensinamentos, entretanto, seu
modelo de vida, sua maneira de se comportar diante dos percalços da vida nos
legou um exemplo de como devemos proceder.
Quando Jesus encontrou com a
mulher samaritana na beira do poço de Jacó, ele lhe faz uma oferta, todavia o
que Jesus está oferecendo a esta mulher não era trocar de religião, Jesus está
oferecendo um tipo de vida que vale a pena ser vivido, ou melhor, ele está lhe
dando a oportunidade de conhecer um estilo de vida com significado.
Cristianismo, portanto, é
permitir que Cristo seja gerado nas pessoas, e essas pessoas vivam com
significado a despeito das contingências da vida.