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Fé, moeda de aquisição

(Categoria - Reflexões)

O evangelho não é mais um produto ou bem de consumo. Infelizmente muitas igrejas cristãs têm sucumbido à tentação de comercializar os benefícios da fé, em detrimento do anúncio do conteúdo do evangelho, da fé apostólica, do cristianismo histórico e dos fundamentos teológicos ortodoxos.
Essa religiosidade patética vivida na pós – modernidade não representa o leito principal do cristianismo bíblico. Pois, a mensagem do evangelho não se restringe a meros benefícios passageiros. Precisamos com urgência repensar nossa espiritualidade aprofundando nossas raízes teológicas sob uma perspectiva mais humana. Porquanto, cristianismo lida essencialmente com valores de vida, ou seja, o evangelho busca responder nossas questões mais profundas, e não simplesmente atender nossas necessidades mais imediatas.
A fé, antes de ser o meio pelo qual conseguimos a bênção divina, deveria ser o meio pelo qual alcançamos o coração do próprio Deus. Porque se no exercício da oração, subentende-se que deve haver fé. Então a prática da oração através da fé, deveria nos deixar mais íntimos de Deus e não meramente seduzidos por suas bênçãos.
As igrejas chamadas neo-pentecostais, fortemente influenciadas pela teologia da prosperidade e com uma mentalidade extremamente capitalista, vem lentamente desvirtuando o nosso conceito de fé. Pois, fé para essa corrente teológica significa possuir bens materiais, nunca ficar doente; ou se ficar, Deus tem a obrigação de curar, e ainda, ter sucesso em tudo que realizar. Ou nas palavras do Paulo Romeiro (segundo a teologia da prosperidade): “Assim, a marca do cristão cheio de fé e bem sucedido é a plena saúde física, emocional e espiritual, além da prosperidade material. Pobreza e doença são resultados visíveis do fracasso do cristão que vive em pecado ou possui fé insuficiente”.
Se fizermos uma leitura sincera da vida de Jesus, e analisarmos com o mínimo de bom senso, perceberemos que essa postura não passa de uma aberração teológica que só beneficia os proponentes dessa idéia. Chegar ao cúmulo de afirmar que pobreza é sinal de maldição, ou que se alguém não foi curado depois de fazer inúmeras campanhas e tiver “decretado” a cura, é porque faltou fé, ou porque tem algum pecado oculto (de quem?). De fato, isso beira as raias da heresia.
Moro em uma cidade chamada Assis, no interior de S.Paulo. O nome da minha cidade é em homenagem a S.Francisco de Assis, e temos na entrada da cidade uma estátua. Os pastores (nem todos) chegam ao absurdo de afirmar que nossa cidade não cresce e não prospera pelo fato de S.Francisco ter feito voto de pobreza. Todo ano têm marcha para Jesus (uma espécie de procissão católica adaptada para o protestantismo, que eu nunca entendi muito bem a razão de tudo aquilo), os líderes decretam bênçãos sobre a cidade, batem o pé e “amarram os demônios da pobreza que estão ligados à estátua”. E o curioso é que tudo continua do mesmo jeito; os pobres sempre pobres, desemprego, violência. É muito mais fácil culpar uma estátua do que assumir nossa parcela de culpa pelas diferenças sociais, e, aliás, pelo tanto de procissões evangélicas, pelo tanto de “quebra de maldições”. A cidade já deveria ter melhorado pelo menos um pouco.
Os pobres não são alvo de maldição, são sim, alvo da incapacidade humana de se importar com o próximo. Valorizamos tanto os cantores, e não hesitamos em comprar seus Cds com preços altíssimos, enquanto isso eles moram em verdadeiras mansões compradas à custa dos que se dizem piedosos. Adoramos futebol, aliás, somos o país do futebol, no entanto, o salário que é pago aos jogadores daria para construir diversos hospitais e os manter funcionando. Os rios de dinheiro que se paga para os políticos daria para construir escolas e pagar melhores salários aos professores. Na verdade não existem demônios da miséria, os demônios da miséria somos nós que legitimamos uma política de desigualdades e excludente.
Os proponentes da teologia da prosperidade (“Papas da prosperidade”) deveriam buscar uma mensagem menos triunfa-lista, tendo como exemplo pessoas de uma grandeza singular como:
Madre Teresa de Calcutá que deixou de ser professora de geografia e história nas escolas das Irmãs para moças ricas, no bairro Entally, em Calcutá, para dedicar toda sua vida aos pobres e miseráveis.
S.Francisco de Assis, filho de Pedro e dona Pica de Bernadone, ricos comerciantes na bela cidade medieval chamada Assis, na Itália. Francisco abandonou uma vida de riquezas para se identificar com os menos favorecidos e os servir.
O líder hindu Mahatma Gandhi. Que era um hindu de bom berço, de família próspera e de uma casta privilegiada. Depois se tornou um jovem advogado formado em Londres. Possuía um escritório de advocacia muito prospero na África do Sul, e que ao ver a sorte dos miseráveis se juntou a eles, os defendeu, resgatou a dignidade de muitos como, por exemplo, a casta dos intocáveis, e foi também o responsável pela libertação da segunda nação mais populosa do planeta, que estava sob o jugo colonialista Britânico.
O problema é que falar e seguir o exemplo de gente pobre e que viveu entre pobres não dá ibope a ninguém. Então não deveríamos tocar no nome de Jesus, pois segundo a bíblia Jesus era filho de gente muito pobre. Jesus foi pobre, viveu propositalmente entre os pobres; tocou leprosos, comeu com impuros, perdoou ladrões, adúlteras e prostitutas. E para piorar morreu a morte mais vergonhosa – a de cruz – o que significava derrota, em outras palavras, Jesus “nasceu na pobreza e morreu na desgraça, e achou que valeu a pena”.
Foi ele próprio quem disse: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres”. Evangelho de S.Lucas 4.18.
Que o Senhor Jesus nos ajude ter fé no valor do sacrifício que ele fez na cruz, e não entendermos que fé seja uma espécie de moeda de troca.

Que Deus nos ajude!
Veritas odium parit
João Ferreira Leite Luz

Comentários

Humberto de Lima disse…
Passeando pela internet, acabo de descobrir mais um que me parece equilibrado. Paraéns pelo texto!
João Luz disse…
Obrigado Pastor Humberto!

Abraço,

João